Maçonaria na Literatura: Crônica de Machado de Assis

Machado de Assis é um dos grande autores brasileiros. Numa pequena crônica publicada em 10 de janeiro de 1884, rememorando um episódio ocorrido quando do Alvará Régio de 1817 em que o Rei Dom João VI (lembrem-se que o Brasil já não era mais Colônia, e sim “Reino Unido” com Portugal e Algarve) proibiu a Maçonaria por conta da Revolução do Porto, traçando um paralelo com a Questão Religiosa que deixara graves cicatrizes na relação entre Igreja Católica e Maçonaria no Brasil.

 

10 janeiro de 1884

 

Hão de ter paciência; mas, se cuidam que a bala hoje é de quem a assina, enganam-se. A bala é de um finado, e um velho finado, que é pior; é de Drummond, o diplomata. Se o leitor pode desviar os olhos das graves preocupações de momento para algumas coisas do passado, venha ler dois ou três pedaços da memória inédita que a Gazeta Literária está publicando. A memória, realmente, trata de coisas antediluvianas, coisas de 1822, mas, em suma, 1822 existiu como este ano de 1884 há de um dia ter existido; e se qualquer de nós fala de seu avó, que os outros não conheceram, falemos um pouco de Drummond, José Bonifácio, D. João VI e D. Pedro.

Diabo! Mas, pelos modos, não é uma bala de estalo, é uma bala de artilharia! Não, não; tudo o que há mais bala de estalo. Eu só extraio de Memória aquilo que o velho Drummond escreveu prevendo a Gazeta de Notícias e os autores desta nossa confeitaria diária. Não é que a Memória não seja toda curtíssima de anedotas do tempo; mas os que se interessam por essas coisas, são naturalmente em pequeno número, e eu só amolarei a maioria dos meus semelhantes, quando não der por isso; de propósito, nunca.

Assim, por exemplo, credo que ao leitor de hoje importa pouco saber, se em 1817, dadas as denúncias contra os maçons, houve grandes patrulhas e tropas nos quartéis, só para prender o maçon Luís Prates, que morava na Rua da Alfândega. Creio mesmo que não lhe interessa este juízo de Drummond acerca do oficial encarregado de prender aquele indivíduo: “era o Coronel Gordilho (diz o velho diplomata) que depois foi pelo merecimento da sua ignorância Marquês de Jacarepaguá e senador pelo império”. Entretanto, esta expressão — merecimento da sua ignorância — é de bala de estalo. Vamos, porém, a uma anedota desse mesmo ano de 1817, galantíssima, uma verdadeira bala de estalo, feita pelo rei D. João VI, que também tinha momentos de bom humor:

Entre os maçons que se denunciaram a si mesmos, refiro os nomes de dois pelas cenas bufas que essas denúncias causaram. Foram o Marquês de Angeja e o Conde de Parati. O rei caiu estupefato das nuvens, e ainda lhe parecia impossível que dois camaristas seus, ambos estimados e um valido, fossem maçons! O Marquês de Angeja ajuntou aos protestos do seu arrependimento a oferta, que foi aceita, de toda a sua prata para as urgências do Estado. Foi logo expedido em comissão para Portugal, a fim de tomar o comando e conduzir ao Rio de Janeiro a divisão auxiliadora, que se mandava vir extraída do exército de Portugal. Quanto ao Conde de Parati, o negócio era mais sério. O rei era muito afeiçoado a este conde, que foi no Rio de Janeiro o seu primeiro valido e morava no paço. Nem os protestos de arrependimento, nem a oferta de sua prata, que a não tinha, porque se servia da que era da casa real, podiam inspirar inteira confiança a respeito de quem, em razão do seu ofício e das relações de amizade, devia continuar no serviço e no valimento de Sua Majestade. Em tão apuradas circunstâncias, o rei saiu pela tangente de um expediente assaz curioso. Disse ao conde, que, para lhe não ficar nada do passado, de que se arrependia, era necessário que tomasse o hábito de irmão da Ordem Terceira de S. Francisco da Penitência. Foi um dia de festa no paço aquele em que o conde prestou juramento e foi recebido irmão da Ordem Terceira. O contentamento do rei não podia ser maior. O Conde de Parati, para fazer a vontade à Sua Majestade, andou no paço todo aquele dia com o hábito da Ordem; destinado a lavá-lo dos seus erros.

Na verdade, a cena é engraçada, e força é dizer que o absolutismo tinha coisas boas. O marquês, dando a prata para salvar a pele, está indicando ao nosso governo constitucional um recurso útil nas urgências do Estado. Mas o caso do conde é melhor. Esse maçon, obrigado a passear vestido de hábito de São Francisco, foi um belo achado do rei. De certo modo, foi uma antecipação do conflito que mais tarde levou dois bispos aos tribunais, com a diferença que aquilo que o Conde de Parati só pôde fazer obrigado, foi justamente o que a maçonaria queria fazer por vontade própria: — andar de hábito. Não penso nisto que me não lembre do nome que em geral teve esse famoso conflito, um nome inventado para castigo dos meus pecados. Lembra-se o leitor? Questão epíscopo-maçônica. Recite isto com certa ênfase: — questão epíscopo-maçônica. Não lhe parece que vai andando aos solavancos numa caleça de molas velhas? Epíscopo-maçônica.

Já transcrevi outros trechos, mas recuei. São interessantes, muito interessantes, mas não são alegres. São anedotas relativas todas à independência, e nelas é que entram D. Pedro e José Bonifácio. Por conseqüência; o dito por não-dito; não dou mais nada.

Contudo, sempre lhes direi, aqui, que ninguém nos ouve: o conselho de ministros no paço, as palavras de José Bonifácio ao Bregaro; a volta de D. Pedro depois de declarar a independência; a gente que correu a São Cristóvão; a imperatriz, que, não tendo mais fitas verdes para fazer laços, fê-los com as do próprio travesseiro; D. Pedro, um rapaz de 24 anos, impetuoso e ardente; José Bonifácio grave e forte, e, quando preciso, alegre; a gente que encheu à noite o teatro; as senhoras de laço verde ao peito; toda essa nossa aurora dá-me uma certa sensação profunda e saudosa, que não encontro… Onde? No nariz do leitor, por exemplo.

j296_desenho_01

Diálogos de um Velho Cobridor – I:6

 

Os “Diálogos do Velho Cobridor” são uma série de pequenas peças escritas pelo Ir∴ Carl Claudy no ano de 1924. São 70, no total, divididas em 7 capítulos. O YORK BLOG disponibilizará a tradução de dois diálogos por semana para os seus leitores, às terças e quintas.

Diálogos de um velho Cobridor

Por Carl Claudy (1879-1957)

Tradução: Edgard da Costa Freitas Neto, M∴ M

Capítulo I – Shekinah

6. O significado íntimo

O terceiro grau da Maçonaria diz algo mais do que efetivamente diz?”, perguntou o novato, na antessala, àquele que porta a espada, oferecendo-lhe um cigarro.

E o que ele efetivamente diz?”, inquiriu o velho Cobridor, tirando um cigarro do maço e acendendo-o.

Quê? Você sabe o que diz! Engraçado me perguntar isso; quem te ouve pode pensar que você nunca assistiu à cerimônia!”

Ah, já a assisti um monte de vezes”, respondeu o velho Cobridor. “Assim como outros tantos homens. Mas me parece que o terceiro grau parece dizer algo diferente para cada homem que o recebe , bem como para todos que assistem. Então, antes de responder se ele significa algo mais do que diz, precisarei saber o que significa para você, certo?”

Mas esse é o ponto! Não sei o que significa para mim!”, lamentou o novato. “É tudo tão novo e tão estranho. Ele deve ter um mais profundo do que apenas a cerimônia. Não pode ser apenas a repetição do que pode ou não ser um fato histórico!”

O velho Cobridor deu uma baforada em seu cigarro. “Penso que o terceiro grau da Maçonaria é um dos símbolos mais bonitos já erigidos pelo homem para ensinar-lhe o que ele já sabe e para ensinar aos outros o que eles devem saber. Suas lições óbvias e imediatas são a fidelidade à confiança depositada, a fortaleza em face do perigo, o fato de que o bem que o homem faz sobrevive a ele e a inevitabilidade da Justiça. Mas existem outros. Imortalidade, por exemplo.”

Eu vi que o grau de Mestre ensina sobre a imortalidade”, respondeu, afobado, o novato. “E que a encenação pode ser interpretada como simbolizando a ressurreição, como, de fato, o ritual explica em parte“.

Mas existe um significado mais central no ensinamento sobre a imortalidade“, continuou o velho Cobridor. “Você tem um cordão com apenas um final?”

Que? Tal coisa não existe.. Ou ele não tem fim, sendo circular, ou tem dois fins

O velho Cobridor olhou seu interlocutor fundo nos olhos. “Imortalidade, também, não pode ter apenas um fim. Qualquer coisa que existe para viver para sempre precisa ter vivido desde sempre. Se teve um começo determinável, então deve ter um fim.

Você está dizendo que a Maçonaria ensina a teoria da reencarnação, pela qual todos nós já vivemos antes, e viveremos novamente?”, perguntou, agastado, o novato. “Não sou budista!”

Não quis dizer nada do tipo“, explicou o Cobridor. “A teoria budista da reencarnação é apenas mais uma maneira de entender a teoria da imortalidade. Claro que é possível crer que a nossa parte imortal, a qual nos foi dada diretamente por Deus eterno, sem pensar se ela já viveu anteriormente em outra pessoa ou noutro animal, como crêem os animistas. Mas não vejo como como alguém que creia numa vida sem fim possa crer também que nossas almas surgiram quando nossos corpos nasceram.

Se eu serei imortal no futuro, e tenho uma alma que foi imortal no passado, devo portanto ter uma alma imortal agora.  Sou tão imortal e terno agora como serei quando meu corpo estiver sendo depositado na terra e meus irmãos vestirem meus restos mortais com meu avental branco e um ramo de acácia for jogado sobre minha forma sem vida.

Assim, portanto, se eu devo ir mais longe nos ensinamentos da imortalidade para extrair o significado central do terceiro grau eu não preciso do grau de mestre maçom para me ensinar o que o senso comum diz sobre um cordão com um final apenas!

Todos os homens são, em certo sentido, casas assombradas. Os fantasmas dos seus ancestrais há muito mortos se levantam para caminhar consigo. O homem bom que faz uma coisa ruim, o homem esperto que faz algo estúpido, o estúpido que faz algo muito sagaz, todos são assombrados por aqueles que já passaram pela vida. Não somos apenas uma pessoa, mas uma multitude. Temos o nosso eu do dia a dia; Temos um eu melhorzinho, , um eu egoísta, um eu altruísta, um eu amável. Algumas vezes um desses ‘eu’ está no controle, outras, outro.

O terceiro grau não me ensina apenas a importalidade da alma, mas a soerguer meu melhor eu na minha própria casa, aquele ‘templo construído não através das mãos humanas’. Ele me ensina a vencer minhas paixões e a permitir que meu melhor eu, meu eu ‘Mestre’ se erga onde quer que ‘naquela colina’ os rufiões o tenham enterrado, para que brilhe, como as estrelas, em mim

O velho cobridor calou-se. O novato quebrou o silêncio para perguntar: “Cobridor, você já estudou para ser pregador?

Não sei tanto assim”, respondeu, rindo. “De onde você tirou essa ideia?

Talvez você não saiba tanto para pregar “, respondeu, lentamente. “Mas certamente sabe o suficiente para ensinar. Próxima vez que for a uma cerimônia de elevação ao terceiro grau, a verei com outros olhos“.

Bondade a sua“. O velho cobridor fez um meneio. “Minhas ideias são apenas as ideias comuns de um maçom ordinário

São as ideias comuns do melhor dos maçons!”, declarou o novato.

A essência da Franco-Maçonaria Escocesa

O presente texto foi postado recentemente pela página oficial da Grande Loja da Escócia no facebook. Segundo a postagem, o texto havia sido encaminhado para todas as lojas jurisdicionadas, a fim de que fosse lida em sessão. Pela sua relevância, traduzimo-lo para o público brasileiro tomar conhecimento de como nem tudo é igual no mundo maçônico, e que, sim, existe um outro modo de ser “Potência”.

***

A essência da Franco-Maçonaria Escocesa

Por Robert L. D. Cooper

Tradução: Edgard da Costa Freitas Neto, MM

Recentemente têm ocorrido algumas discussões sobre o ‘significado’ do Ritual, Paramentos e Simbolismo maçônicos da Escócia. Lendo a Constituição da Grande Loja da Escócia (GLE) ninguém poderá se surpreender em perceber que não há ali opiniões sobre estes temas. O silêncio no significado de todos estes aspectos da Maçonaria Escocesa, não apenas na Constituição mas também nos demais publicações oficiais não significa que tais opiniões não existam, ao contrário. Então, por que não há explicações oficiais sobre nenhum dos elementos da maçonaria Escocesa? Esta é uma questão que vai no cerne de o que é a Maçonaria Escocesa.

A GLE acredita que a Maçonaria Escocesa é uma trama de tecido no qual e em torno do qual os indivíduos empreendem sua jornada maçônica. Esta visão em parte se deve à história e às origens da Maçonaria Escocesa e à psique dos escoceses em geral. Sem entrar em muitos detalhes, é suficiente explicar que antes que a GLE surgisse em 1736 já existia uma rede nacional de Lojas, pelo menos, desde 1598, se não antes, cujos membros eram tanto pedreiros como não pedreiros.

Haviam Lojas compostas exclusivamente por pedreiros (como, por exemplo, a Lodge of Journeymen Masons nº 8), Lojas que não possuíam nenhum pedreiro em seus quadros (como a Haughfoot Lodge) e lojas que possuíam pedreiros e não pedreiros (como a Lodge of Aberdeen) em seus quadros. Essas Lojas existiam independentemente umas das outras e sem nenhum poder central que as dirigisse. Esse sistema era – e em certa medida ainda o é – bem adequado à psique dos maçons escoceses (bem como da população em geral). A independência das Lojas de antes de 1736 se traduziu num importante grau de independência para as Lojas fundadas após 1736.

Diferentemente de outras Grandes Lojas que têm – e usam – muito mais poder, a GLE funciona mais como uma facilitadora e Conselho Consultivo. Esse método de governança não autoritário é desconhecido no resto do mundo maçônico e impacta diretamente na natureza da Maçonaria Escocesa.

Ainda que haja certo consenso entre os maçons escoceses sobre o significado que podem ter alguma palavra ou símbolo particular, nem por isso se excluem explicações alternativas. A letra G é suficiente para ilustrar este ponto: Um franco maçom cristão normalmente interpretará a letra ‘G’ como ‘Deus’ [God], mas um francomaçon muçulmano certamente rejeitará tal ideia, pois não pode aceitar que Deus possa se reduzir a uma mera letra do alfabeto humano. Ele poderá, certamente, argumentar que ‘G’ significa Geométrico ou Geometria. Pela mesma razão um maçom judeu poderá argumentar que ‘G’ significa ‘bondade’ [goodness] – a bondade inata em cada ser humano. Há inúmeras outras explicações possíveis. Mas assim que a GLE expresse uma opinião sobre o significado de ‘G’, então ela se tornará a explicação de facto e, portanto, aceita pela maioria dos maçons escoceses. Se a GLE começar a emitir interpretações estará, com efeito, criando um ‘dogma’ maçônico, algo que poderia ser usado para definir a Maçonaria como religião, algo que os maçons sempre rejeitaram.

A Maçonaria escocesa é, portanto, considerada uma experiência ou jornada individual, ainda que feita com ajuda, assistência e orientação de outros maçons. O significado e a interpretação do ritual, do simbolismo e dos paramentos maçônicos escoceses, por uma boa razão, não é fixo, mas deixado para a interpretação do indivíduo maçom.

E esta é a principal razão pela qual a Maçonaria Escocesa permanece única no mundo maçônico.

grand_lodge_of_scotland_1132782011

AZUL, A COR MAÇÔNICA

AZUL, A COR MAÇÔNICA

por Foster H. Garret, 33º

Tradução: Luiz Felipe Roszenweig, M∴I∴

Muitas vezes falamos da “Loja Azul” e de “Maçonaria Azul”, mas será que realmente entendemos o seu significado e sua origem? Refiro-me ao uso da cor “azul”, juntamente com Loja ou Maçonaria

Somos ensinados que o azul se refere à abóbada celeste e ensina a universalidade da Maçonaria. Isto é verdade e eu não iria criticar esse ensinamento, mas gostaria de acrescentar e ampliar o nosso pensamento sobre a cor azul e seu simbolismo na maçonaria.

Apropriadamente é a cor dos graus do Antigo Ofício. Ele ensina que é o símbolo para a amizade universal e benevolência universal, como é a cor da abóbada do céu, que abraça o mundo, por isso cada Irmão Maçom deve ser igualmente extensivo nas suas virtudes de companheirismo e amor fraterno.

Entre os antigos judeus o manto do éfode[1] do sumo sacerdote, a fita de seu peitoral e a placa da mitra eram azuis. O povo da nação judaica foi obrigado a usar uma fita azul acima da orla de suas vestes e esta foi a cor de um dos sete véus do templo[2].

Flávio Josefo[3] nos diz que a palavra hebraica para Azul era “tekelet” e que simbolicamente significa perfeição. Entre os Antigos, ser iniciado nos Mistérios era um caminho para atingir a perfeição e que falando na Maçonaria o azul, que também significa perfeição, também é utilizado para nossas Lojas Simbólicas.

Entre os druidas simbolizava “verdade”. Os egípcios consideram o azul como uma cor sagrada, significando natureza celestial. Jeremias diz que os babilônios vestiam os seus ídolos de azul, e os chineses em sua filosofia mística o “azul” representou o símbolo da Divindade. Os hindus afirmam que o seu Deus, Vishnu, foi vestida de azul celeste, indicando assim que a sabedoria de Deus foi simbolizada por esta cor.

Entre os cristãos medievais o azul foi considerado o emblema da imortalidade, como o vermelho era do Amor Divino de Deus.

A cor azul é usada extensivamente nos graus do Rito Escocês, com vários significados simbólicos; tudo, no entanto, mais ou menos relacionada ao seu caráter original como representando amizade universal e benevolência.

No Grau 19 (Grand Pontífice), o azul é símbolo de brandura, da fidelidade, da mansidão. No grau 20 (Mestre “ad Vitam”) ele é usado juntamente com o amarelo e refere-se ao aparecimento do Senhor a Moisés no Monte Sinai nas nuvens de azuis e douradas. No 24º grau (Príncipe do Tabernáculo) é a cor da túnica e do avental de um Príncipe do Tabernáculo, cujos ensinamentos se referem a nossa mudança a partir desta casa de barro para a “casa não feita por mãos, mas a eterna morada nos céus”. Aqui é um símbolo do céu, como nos foi ensinado na Loja Simbólica.

Aprendemos, portanto, que pelo costume e simbolismo e não por qualquer lei aprovada ou estatutos, usamos azul ao se referir a uma Loja Simbólica como uma “Loja Azul”

 

 

[1] Artigo de vestuário exterior particular, no estilo de uma túnica ou avental utilizado pelo Sumo Sacerdote de Israel

[2] Êxodo 26:31-33

[3] Historiador e Apologista Judaico-Romano que registrou em loco a destruição de Jerusalém.

Blue Apron

Velha conhecida

A política do amor é complexa.
Ela comove e incomoda.
São os “nãos” ditos pelos malditos.
É velha mania humana de rotular
o tudo da vida,
na vida…
Tudo é exceção!
Trazida das raízes, ultrapassando os seus limites,
chegando ao universal.
Como é que pode ser tão distante, caótico e inebriante,
sentir tudo que essa velha política
imprime na humanidade?
O medo é que, no meio dessa loucura pulverizada,
o amor torne uma exceção perdida
No meio de toda vida de regras.

(Ícaro Emanoel)

O conceito maçônico de liberdade: Maçonaria e Iluminismo

O presente artigo foi publicado no site Pietre-Stones Review of Freemasonry, sendo de autoria do Irmão Alex Davidson, Past Master das Lojas United Masters #167 e Liberal Arts #500 da Grande Loja da Nova Zelândia. Pela sua relevância acadêmica, providenciamos aqui sua tradução para o português.

O conceito maçônico de liberdade: Maçonaria e Iluminismo

Por Alex Davidson, Past Master

Tradução: Thiago Tavares de Figueiredo, C M

O recém-iniciado maçom assimila rapidamente os conceitos da Ordem. Ele foi instruído a nunca propor, sob nenhuma hipótese, nenhum ato que venha a subverter a paz e a boa ordem da sociedade e para prestar boa obediência às leis do Estado. Ele é instruído para se abster de discutir qualquer tópico político ou religioso em loja e, por dedução, no jantar após a sessão.

Se ele vier, eventualmente, a assumir a cadeira do Rei Salomão, ele personaliza sua aceitação das Antigas Obrigações, a terceira das quais ordena ele a não se envolver em tramas ou conspirações contra o governo, mas pacientemente se submeta às ordens legais. Ele recebe a aprovação de seus pares se ele for um sujeito pacífico e obediente da lei.

No curso de seus empreendimentos para fazer um avanço diário em conhecimento maçônico, nosso maçom hipotético entende que a Ordem temordens antigas contra discussão política e ação revolucionária. As antigas “Sinclair Charters” da Escócia reconhecem explicitamente o patrocínio e proteção da Coroa, e em um manuscrito do século XVIII, é demandado dos maçons:

…que você seja um homem leal ao rei sem nenhuma traição ou falsidade, e que caso você saiba de alguma traição ou falsidade você deve tentar muda-la ou informar o rei a respeito.” (Manuscrito de Buchanan)

O 2° dever das Constituições de Anderson (1723) contém a afirmação que “o maçom é um sujeito passivo aos poderes civis, não importa onde resida ou trabalha, e nunca se envolva em tramas ou conspirações contra a paz ou bem estar do país.” Essa situação parece um pouco ambígua.

Entretanto, após mais pesquisas, nosso bom maçom não pode ficar tranquilo que a constatação de uma contradição flagrante na história da Maçonaria. Ele descobre que os líderes revolucionários americanos de 1776, muitos dos escritores da Constituição e Declaração dos Direitos dos Estados Unidos, e também os dois primeiros presidentes americanos foram ao mesmo tempo maçons e rebeldes contra o seu governo e soberano por lei. Ainda mais alarmante, muitos dos atores políticos principais da Revolução Francesa, particularmente durante sua primeira fase, eram proeminentes maçons franceses, mobilizados pelo slogan originalmente maçônico de: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Avançando no tempo após 1789, ele aprende que grandes revoluções do século seguinte foram lideradas por maçons: Simon Bolivar, José de San Martin e Bernardo O’Higgins na América do Sul; Vicente Guerrero e depois Benito Juarez no México; José Martí em Cuba, José Rizal nas Filipinas e Giuseppe Garibaldi na Itália. Mais notável, os texanos que se rebelaram contra o governo do México e lutaram uma bem sucedida guerra de separação, eram predominantemente maçons, e também, todos os presidentes e vice-presidentes da República do Texas eram maçons! O que ele pensará disso tudo?

O grande paradoxo da Maçonaria é que sua história está entrelaçada de modo inextrincável com a história das Revoluções dos séculos XVIII e XIX, e do mesmo modo seus escritos rejeitam firmemente desobediência política e condena subversão e revolta contra o governo de qualquer país. Eu pretendo desvendar esse paradoxo de duas maneiras; uma filosófica e outra histórica. Para a primeira adotei a avançada tese de Giuliano di Bernardo, professor de filosofia, e para a segunda me refiro particularmente a um volume de Margaret Jacobs, professora de história (obviamente, não maçom).

As duas maneiras, como deveremos ver, não são apenas compatíveis mas também complementares.

É dito com frequência que as Constituições originais da Ordem foram formuladas dentro de um contexto histórico particular na Inglaterra, caracterizado pela dissidência da Casa Real de Hanover de um lado e os apoiadores de James Francis Edward Stuart, ou James III para os jacobitas, do outro lado. Com apoiadores das duas facções nas lojas inglesas, tentativas foram feitas para evitar conflito protegendo as duas. A situação era realmente mais complexa do que isso, como veremos, mas essa representação cria um bom ponto de partida. Não desejando inflamar diferenças políticas entre irmãos, é dito que Anderson sabiamente excluiu dos discursos educados esse tópico, e enfatizou a lealdade e natureza pacífica dos membros da Maçonaria.

Curiosamente, entretanto, as Constituições de 1723 proíbem especificamente a expulsão de um irmão por crimes políticos como fomentar uma revolução, embora eles insistam que “a leal irmandade deve e tem a obrigação de desfazer sua rebelião”. A chave para entender a atitude equivocada perante a divergência do conceito de liberdade e o contexto filosófico em que a irmandade entendia este termo “liberdade”.

Registros de uma loja do século XVIII descreviam muito sobre a “liberdade” dos irmãos, ou enfatiza em um termo mais antigo, “fraternidade”, ou buscando descrever a relação entre todos os irmãos, fala em “igualdade”. O que, precisamente, os maçons dessa época queriam dizer com essas palavras? Liberdade era claramente concebida como algo diferente do costume da Guilda para conferir aos seus membros as “liberdades e privilégios” para praticarem sua profissão. A edição da enciclopédia maçônica de Mackey do começo do século XX diz:

a palavra independência não está aqui para ser entendida pelo senso moderno de liberdade, mas ao invés no seu significado Anglo-Saxão de franqueza, generosidade, uma vontade generosa de alguém trabalhar ou exercer o seu dever.

De fato, para os maçons da Inglaterra do século XVIII, a palavra liberdade não era entendida pelo seu sentido primitivo, mas precisamente segundo interpretação dada pelo filósofo John Locke em sua obra de 1690: “Dois Tratados Sobre o Governo Civil”.

Argumenta-se que Locke teria sido maçom baseados em uma carta que ele escreveu datada de 1696. Porém, isso agora é considerado uma fraca evidência, mas o ponto importante é que todos maçons devotos acreditavam, firmemente que Locke havia sido iniciado na Ordem. Ele foi, de fato, feito um membro da Sociedade Real em 1668, um “viveiro” da maçonaria, e seus amigos particulares lá eram Robert Boyle, conhecido maçom e Isaac Newton, membro de uma sociedade semi maçônica. A maçonaria no século XVIII tem sido descrita em algumas ocasiões como rousseauniana, mas principalmente, poderia ser também, e era, no tardar dos anos 1760, lockeniana, como também essencialmente republicana.

Os Dois Tratados Sobre o Governo Civil foi o fruto de anos de reflexão sobre os princípios verdadeiros da política, reflexão baseada nas próprias observações de Locke. O governo, acreditava Locke, é uma instituição baseada em um cargo de confiança, seu propósito é garantir a segurança do indivíduo e da propriedade; e o sujeito tem o direito de cessar sua confiança no governante quando o mesmo fracassa em seu dever. Governo e poder político são necessários, assim como é a liberdade do cidadão; e uma monarquia constitucional e democrática é possível um tipo de governo onde as pessoas sejam livres.

Locke escreveu que não podemos ser obrigados a termos um governo no qual não tenhamos dado algum sinal de consentimento (Livro II, §.119) e que “o objetivo final da lei é para preservar e aumentar a liberdade” (II, 57). Governos são dissolvidos quando o “Legislativo, ou o príncipe, agem de forma contrária a seu cargo de confiança depositada neles” (II, 221), e “o poder é revertido ao povo“, que então deverá estabelecer um novo legislativo e executivo (II, 222). É o povo que decide quando sua confiança foi violada, porque somente o homem que é mandado pelo poder pode dizer quando é abusado (II, 240). No caso de um impasse “o apelo final é por Deus“, o que significa para Locke, revolução.

Liberdade é a antítese de tirania, pois “como uma usurpação do exercício de poder, em que o outro tem o mesmo direito; então a tirania é o exercício de poder além do direito, em que ninguém tem o direito. E isso faz com que o uso do poder que alguém tenha em mãos seja usado para sua vantagem pessoal e não para o bem daqueles que estão abaixo dele.” (II, 199) ; “Quando uma pessoa ou mais começam a fazer leis sem que o povo os tenha autorizado para tal, eles criam leis sem autoridade; e portando o povo tende a não obedecê-la; …” (II, 212)

O fim do governo é para o bem da humanidade, em que é o melhor para a humanidade, em que o povo esteja sempre exposto a vontade arbitrária da tirania, ou que os governantes devem estar, às vezes, aptos a serem opostos, no momento em que eles crescem exorbitantemente no uso de seus poderes e leva a destruição e não a preservação das propriedades do seu povo? ” (II, 229). Numa situação como essas, uma revolução é justificável, pois “quando o Rei se coloca em um estado de guerra contra seu povo, o que os habilitam de acusa-lo de não ser o rei, como faria qualquer outro homem, que teria se colocado em estado de guerra contra eles; …” (II, 239)

Giuliano di Bernardo forma seu argumento sobre liberdade em torno das ideias de Locke e do filósofo utilitário do século XIX John Stuart Mill, argumentando que se a validade incondicional das proibições maçônicas fossem admitidas, então os maçons seriam obrigados a respeitar qualquer Estado de poder civil, fosse ele democrático o tirânico: “Mas então, como pode fidelidade ou indiferença ser reconciliada com a antropologia filosófica maçônica que postula a liberdade entre um dos elementos fundamentais que possui um maçom? Liberdade e tirania não são compatíveis entre si, elas são amplamente contraditórias. Portanto, a maçonaria não pode ser indiferente com a tirania.” (p. 141).

A interpretação de Di Bernardo é que “o maçom é um sujeito pacífico para aqueles poderes civis que garantem a expressão de liberdade fundamental“. Pois: “se isso não fosse possível, então não seria possível entender, por que, por exemplo, maçons americanos (Washington, Jefferson, Franklin e outros), depois de terem aceitado ao Constituições de Anderson…, conspirassem e declarassem guerra contra a Terra Mãe. E também, não ficaria claro por que maçons de todas as partes do mundo em épocas diferentes lutaram contra toas formas de tirania. E finalmente, seria difícil de entender os pensamentos e ações desses maçons que dedicaram suas próprias vidas para garantir que os princípios que tornaram possíveis a transição de um tipo de sociedade medieval e autoritária para uma sociedade fundada nos direitos de homens e nações. “ (p. 141)

A liberdade, portanto, denota em debate maçônico sobre os direitos e deveres dos maçons.

Agora começamos a entender por que membros proeminentes da ordem maçônica foram fundamentais nas revoluções dos séculos XVIII e XIX. A questão permanece, por que os maçons ingleses (e escoceses) do século XVIII enfatizaram obediência aos poderes e respeito pelas suas leis em suas constituições e outros escritos. Para responder a essa questão e completar nossa resolução do grande paradoxo da Maçonaria agora deveremos desviar nossa atenção da filosofia para a história.

A Maçonaria especulativa existe na Inglaterra desde pelo menos 1646, quando Elias Ashmole foi feito maçom na loja de Warrington. Primeiramente membros não operativos constituíam uma pequena minoria, mas no tardar do século XVII e começo do século XVIII, registros de lojas revelam uma rápida conversão das guildas de trabalhadores operativos para sociedades privadas de maçons livres e aceitos.

Simultaneamente, houve uma consolidação de poder do parlamento para governar a nação; os Whigs cresceram em ascendência como protetores da herança revolucionária de 1688/1689, e o poder econômico das guildas profissionais declinou.

A Maçonaria “especulativa” talvez tenha se desenvolvido sob influência de William Schaw na Escócia e mais tarde se espalhou pela Inglaterra, mas a essência do Iluminismo maçônico é caracteristicamente inglês, e o que foi reexportado para a Escócia no início do século XVIII foi algo novo. A ênfase nas Constituições, leis e governança se originou em Londres.

Alguns pesquisadores dizem que a Maçonaria se manteve prudentemente silenciosa durante o Protetorado e somente após a Revolução Gloriosa de 1688/1689 que emergiu ao conhecimento geral. Em 1717 estava bem estabelecida, e as lojas em número suficiente para quatro lojas londrinas colocarem uma instituição acima delas e formarem a Grande Loja. Em 1720, membros da Sociedade Real estavam proeminentemente nas lojas londrinas, e até 1725 já eram 64 lojas na lista da Grande Loja.

A guilda profissional se moldou gradualmente a uma sociedade a qual manteve os antigos costumes enquanto incorporava os interesses e valores de classes superiores que agora haviam sido recrutadas e que rapidamente viria a dominar. Bernard Jones observa que as velhas penalidades perderam sua praticidade, mas elas continham alguns materiais para serem salvos e preservados de outras maneiras. A antiga linguagem religiosa desapareceu e a guilda completa com seus mitos e rituais foi incorporada para se transformar em algo novo.

A maçonaria rapidamente se espalhou pela Escócia e Irlanda, e para a América e Europa, primeiramente na França e Holanda, mais tarde para estados alemães e outros países. Isso tudo é familiar: agora, eu tenho a intenção de observar mais atentamente o pensamento e prática maçônica ao que diz respeito a política e sociedade, e sua relação com o fenômeno histórico que nos referimos agora como o Iluminismo.

Na época da formação da Grande Loja, a situação britânica era única. Como resultado de suas revoluções de 1640 e 1688, eles asseguraram um governo parlamentar e constitucional. Entretanto, a Maçonaria não causou nem participou dessas revoluções. Para assegurar respeitabilidade, maçons ingleses permaneceram silenciosos em qualquer eventual participação dos membros da Ordem, e maçons continentais cuidadosamente reconstruíram a histórica mítica das origens de Hiram e o templo do Rei Salomão, atravessando as Cruzadas e os Cavaleiros Templários até a Inglaterra do século XVII.

A estória do exilado cavaleiro católico jacobino exilado, Ramsay, de a Maçonaria chegando na França através dos reis medievais da Escócia era popular, passando ao largo de todas as revoluções. Maçons britânicos evitavam cuidadosamente toda menção de associação com essas revoltas. A origem especificada Maçonaria britânica rendeu de imediato suspeita na maioria dos países continentais onde parlamentarismo, revoluções, Constituições e atos de tolerância eram vistas intrinsecamente como subversivas.

Desde cedo em sua história a maçonaria foi acusada de possuir intenções democráticas e republicanas, se não comunisticas, primeiro pela Igreja Católica, e mais tarde por seus oponentes da Revolução Francesa. Críticos clericais foram rápidos em identificarem o GADU com o Deus dos deístas. Em 1738, o papado condenou a Maçonaria, tendo como ofensa principal que ela imita um aspecto de Governo Republicano, seus líderes são escolhidos ou afastados pela vontade dos membros. Isso era tido como escandaloso. O mito de que [Oliver] Cromwell tinha sido o fundador da Maçonaria foi espalhado pela França. Entretanto, contém uma verdade simples: essa sociedade privada uma invenção britânica, não continental.

As lojas britânicas eram uma inovação surpreendente enquanto seus membros se encontravam sociavelmente como indivíduos nas lojas, ao invés de dentro dos confins familiares, igreja, confraria ou outros corpos tradicionais que primariamente refletiam suas posições na sociedade em geral.

Existe uma razão por que essa forma de socialização cresceu primeiramente na Grã-Bretanha. Suas profissões e guildas se enfraqueceram antes do que no resto do continente, e a economia de mercado foi avançada ainda mais. Até às guildas de mercadores escoceses foram negadas  privilégios de monopólio pelo parlamento escocês em 1672. Já nos anos 1720 a sociedade britânica permitia interações sociais mais abertas e relaxadas (porém não necessariamente o casamento) entre lordes, pequena nobreza e plebeus. Em seus escritos, um jovem visitante francês nos anos 1720, Voltaire, fez essa peculiaridade famosa. Com isso foi chegado a um grau de tolerância religiosa desconhecida exceto na Holanda.

Quem eram esses maçons, e de que consistia a sociabilidade deles? Registros que sobreviveram mostram que eles tinham de educação de moderada a avançada, e eram suficientemente ricos para poderem sustentar as cobranças de taxas de filiação: em outras palavras, eles eram provavelmente congruentes com os 20% de cidadãos homens britânicos que tinham plenos direitos de cidadania. A socialização deles frequentemente incluía comer e beber em excesso, embora seus ensinamentos e escritos censurassem retamente esse comportamento sibarítico. Eles conversavam, debatiam e discutiam, e nós temos conhecimento suficiente da natureza de suas discussões para reconstruirmos a visão de mundo deles, política e significados para modificar a sociedade.

Entretanto, esses maçons fizeram mais do que simplesmente se reunir e conversar. Na sociabilidade privada deles, eles estabeleceram uma forma de auto governo, completo com Constituições e leis, eleições e representantes. Eles outorgaram essa soberania nesse governo e deram a ele suas obediências, ainda que poderia ser alterada ou removida pelo consentimento da maioria dos irmãos. As lojas se tornaram microscópicas entidades civis, novos espaços públicos em efeito escolas de governo constitucional.

As virtudes buscadas por essas lojas eram presumidamente para serem aplicadas para governabilidade, ordem social e harmonia, e esfera pública. Os seus significados eram suas habilidades em ensinar homens a se distinguirem pelo seu mérito assumido em como integrar valores iluministas com os hábitos de governabilidade. As lojas empreendiam para civilizar, ensinar conduta e decoro, para melhorar a sociedade civil. Eles ensinavam homens como falar em público, como realizar atas, pagar impostos, ser tolerantes, debater livremente, votar, moderar seus banquetes, e para devotarem toda suas vidas a outros membros da instituição. Logo se tornaram cidadãos no senso moderno da palavra, ao invés de meros súditos.

A essência da retórica maçônica era invariavelmente cívica. A micropolítica não era intencionada para ser políticas no sentido partidário da palavra. Alguém pode dizer que as lojas eram profundamente preocupadas sobre política sem nunca querer se engajarem na política do dia a dia. Registros maçônicos são claros na falta de envolvimento político específico por parte de quase toda loja europeia. As Constituições maçônicas oficiais publicadas em Londres em 1723 proibiam qualquer desavença sobre religião, nações ou política de Estado. “…nós… somos decididos contra toda política, em que nunca conduziu para o bem estar da loja“. Mas para entendermos essa posição, precisamos compreender o que os maçons londrinos queriam dizer com a palavra política.

Na Grã-Bretanha dos anos 1720, política significava algo diferente do que no resto na Europa. Quando discutindo política, as Constituições maçônicas queriam dizer política partidária, o conflito de grupos organizados precipitado pela evolução de uma nova nação política como resultado do acordo da Revolução de 1688/1689. Política era a competição de poder entre Whigs e Hanoverianos em um parlamento protegido constitucionalmente.

Entretanto, para se evitar política não significava negar o cívico. Como as Constituições proclamaram, Maçonaria era praticada “quando os poderes civis, abominando tirania e escravidão, deram a devida atenção para o brilhante e livre gênio de seus felizes sujeitos…” A contemplação de harmonia social pelos membros da loja se baseavam pela paz e liberdade que eram garantidas pelas autoridades civis. Cada loja era intencionada como um microcosmo de uma sociedade civil ideal.

A Maçonaria inglesa possuía características civis e políticas distintas formadas pelo contexto social derivado da Revolução Inglesa. Como Margaret Jacobs escreveu:

“com linguagem política marcada, as Constituições exaltam o reinado do Imperador Romano Augusto, usando uma linguagem contemporânea que sinaliza identificação com o Regime Whig e Hanoveriano que ascendeu para a dominação política em 1714. Previsivelmente a liderança britânica mais antiga da Grande Loja fundada em 1717 tendia a ser uma variação da de Whigs que são apoiadores de um governo ministerial forte e pela sua própria definição os herdeiros da Revolução de 1688/1689”. (p. 46)

O objetivo do governo pelo consentimento dentro do contexto de subordinação da autoridade legítima foi vigorosamente buscado pela Grande Loja de Londres e foi demandado que toas as lojas se afiliassem com isso. Embora, as lojas fossem sociedades políticas, não como partido ou facção no sentido do termo mas em uma conotação mais ampla. A formalidade da Loja se tornou uma de muitas maneiras que transmitiam uma nova cultura cívica e política, baseada no constitucionalismo que opunha privilégios tradicionais e autoridade estabelecida por hierarquia.

Essa nova cultura, com a Maçonaria na vanguarda, é conhecida hoje como o Iluminismo, uma passagem crucial no desenvolvimento europeu. Começou na Inglaterra, mas foi fortemente assimilado na França, onde eventos tiveram um desfecho um pouco mais dramático. É argumentado que os hábitos do povo de pensar eram baseados na irracionalidade, poluída por dogma religioso e muito baseado no precedente histórico e tradição irrelevante. O caminho para escapar disso era através da busca de conhecimento verdadeiro em todas as esferas da vida, estudo das artes liberais e ciência, estabelecer a verdade e construir em cima disso. Suas premissas eram liberais, pró ciência, anti-superstição e que o Estado era o veículo apropriado para a melhoria da condição humana.

A essência da filosofia do Iluminismo era a razão. A lógica foi tomada emprestada dos gregos desde os tempos de São Tomás de Aquino, mas Descartes e outros filósofos do século XVII aplicaram a razão para as questões tradicionais, julgando ser isso o caminho para a verdade. Eles entenderam que lógica por si só poderia ser usada para defender as noções absurdas de todas as maneiras e insistiram que ao combinar isso com um novo princípio que incorporava senso comum, observação e todos preconceitos não reconhecidos em favor do ceticismo e da liberdade.

A classe mercante que estava crescendo era a força propulsora do Iluminismo. Eles acreditavam firmemente que sua nova riqueza encontrada era resultado dos seus méritos individuais e trabalho árduo, diferente da riqueza herdada dos aristocratas tradicionais. Mas os obstáculos principais para reformular a Europa pela classe mercante eram as mesmas que eram enfrentadas pelos filósofos racionalistas, reis absolutistas e igrejas dogmáticas. Durante a dificuldade, individualismo, liberdade e comunidade reformulada, estabilidade e tradição como valores fundamentais europeus. A religião sobreviveu, mas foi enfraquecida e transformada quase ao ponto de não ser reconhecida, a monarquia diminuiu durante o curso do próximo século para uma sombra opaca do que era antes.

Na Inglaterra, enquanto a liberdade política e liberdade de expressão foram limitadas antes da revolução gloriosa, as então chamadas “coffee-houses”, que cresceram no período de 1670-1685, estabeleceram um ponto de encontro onde as crescentes classes médias poderiam se encontrar e se engajarem em discussões. Jurgen Habermas, o proeminente filósofo alemão, argumentou que a esfera pública apareceu primeiro na Inglaterra dos anos 1690`s, após a Revolução Inglesa, e ele via a Maçonaria como a antecipadora da adoção europeia dessa esfera como uma alternativa do absolutismo. Nesse ponto, ele identifica os primeiros momentos na formação da sociedade civil moderna. A loja, a sociedade filosófica, a academia científica se tornou subjacente, como filósofos como Habermas e outros historiadores já acreditavam há um bom tempo, para as formas de governo republicana e democrática que evoluíram lentamente e de forma adequada na Europa ocidental a partir do final do século XVIII.

Entretanto, não demorou muito para que uma divisão ocorresse na Maçonaria inglesa, em uma forma de separação entre a Grande Loja e grupos de lojas que se separaram e se chamava de “Antigos”, e a Grande Loja sendo chamada “Modernos””. Entre 1739 e 1751 os separatistas formaram uma grande loja rival, e os dois não reconciliaram até 1813. Bernard Jones atribui isto para a apatia e negligência da liderança da Grande Loja e sua aparente inabilidade para reger a Ordem e diferenças ritualísticas e práticas cerimoniais. Um certo elemento irlandês participou, sem dúvida, da divisão.

Esses pontos são bem disseminados, mas Margaret Jacob expõe uma divisão política e social por trás dessa separação que é mais interessante e persuasiva. Embora  se dissesse que todos maçons eram iguais, isto não prevenia o papel que as lojas exerciam como lugares que replicavam a hierarquia social e ordem, baseado não em nascimento por assim dizer mas em uma ideologia de mérito. As lojas refletiam a ordem antiga mesmo que estivessem criando uma forma de sociedade civil que ultimamente a substituiria.

Apesar de sua retórica de igualdade, as primeiras lojas eram elitistas, extraindo seus membros dos literatos e modestamente ricos a muito ricos. A liderança era em sua maioria Whig, e eram Whigs poderosos e formadores de opinião. Originalmente os Whigs formavam a força revolucionária por trás da constitucionalidade e liberdade: e então se tornaram parte do “establishment”, e buscavam desencorajar fervores revolucionários através do estímulo de um comportamento de obediência a lei e paz. Isso mais do que a questão dos jacobinos e Hanoverianos, é a fonte das proibições maçônicas de subversão e até das discussões políticas em loja. Jacob nota:

“O maçom buscava fortuna, ele queria prosperidade, mas sem decadência. Ele tinha a mesma consciência daqueles Whigs que queriam viver como a corte e receber seus benefícios, enquanto buscava de alguma forma evitar a inclinação inevitável de indecência e corrupção. Então os editores maçônicos enfatizaram a ritualística em aspectos fraternais de refeições, bebidas e música, buscando torná-los expressões simbólicas de unidade maçônica, harmonia e moderação. ” (p. 67)

Ela distingue entre o comportamento da corte do grupo da Grande Loja e a oposição dos menos abastados que deu origem ao surgimento dos antigos, que ela caracteriza como “a revolta dos mais simples contra os mais poderosos.”.  A glorificação dos comerciantes e donos de estabelecimentos nos escritos dos antigos é um tema constante, eles se opuseram ao deísmo dos modernos, eles se viam como reformistas. Para adicionar um ar de respeitabilidade para suas inovações cerimoniais, eles descreveram isso como “Escocês”. De outro lado, nos anos 1760 os modernos estavam preocupados em enfatizar lei e ordem contra o radicalismo dos seguidores de John Wilkes e desenfatizar as suas próprias heranças revolucionárias.

Vamos agora considerar a disseminação da Maçonaria. Nos anos 1730 a Maçonaria se tornou estabelecida no continente, especialmente na França e Holanda. Essas lojas consagravam valores culturais britânicos entrelaçados com potenciais problemas subversivos de tolerância religiosa, confraternizando relaxadamente homens extremamente diferentes , de grupos sociais , com ideologia de trabalho e mérito, e não menos importante, governo de Contituições e eleições. Esses valores eram ideais prezados pelo Iluminismo, o movimento cultural internacional que permitiu a pretensão dos seculares e modernos.

Como essas lojas continentais eram réplicas das lojas britânicas, eles transportavam formas de governança e comportamento social foram criados dentro da política cultural única da ilha. Embora homens tenham votado em eleições por séculos nos dois lados do Canal da Mancha, foi apenas na Grã-Bretanha que eles fizeram isso dentro de um modelo constitucional e em uma assembleia legislativa nacional onde a votação era por indivíduo e não pelo estado ou localidade.

Essa forma distinta de cultura política norteou uma nova forma de sociedade civil. Indivíduos com direito de voto, nesse período, uma minoria distinta na Grã-Bretanha, identificada com partidos políticos e problemas nos nível local e nacional. Esses homens liam e debatiam, formaram sociedades de leitura, clubes e lojas, onde eles testavam suas habilidades como oradores e comentaristas, ou estudantes de filosofia e literatura. Nas lojas homens também se tornaram legisladores e escritores de Constituições.

O período revolucionário da Inglaterra ficou para trás, e então foi possível proceder de forma relativamente suave e gradual para o que hoje conhecemos como democracia moderna; mas a liberdade britânica se tornou uma dinamite quando foi transportada para a França, onde a resistência pela Igreja e governantes era intransigente. O resultado foi, ironicamente, que enquanto a Grã-Bretanha permaneceu saturada com privilégios de classe e relativamente religiosa, a França se tornou após sua própria revolução o mais igualitário e anticlerical Estado na Europa – ao menos para seus ideais. O poder da religião e da aristocracia diminuiu aos poucos na Inglaterra, na França, eles foram retirados violentamente.

Em suma, podemos dizer que a maçonaria foi um dos canais, provavelmente o principal canal, onde os valores do Iluminismo foram transmitidos da Grã-Bretanha para a América, França, Holanda e, eventualmente, para todos os países civilizados. A essência da mensagem era liberdade, tolerância e sociabilidade, e sim, como Immanuel Kant, filósofo do tardar do Iluminismo, afirmou a ideia de que através da razão, todos os homens poderiam encontrar um jeito de viver que é satisfatório e gratificante. O que podemos finalmente dizer ao nosso maçom hipotético repleto de dúvidas sobre o grande paradoxo da maçonaria? Primeiramente, podemos endossar com satisfatória segurança a premissa de Giuliano di Bernardo que: “o maçom é um sujeito pacífico para os poderes civis que garantem a expressão de liberdade fundamental.” Sem liberdade, a Maçonaria não pode existir.

Também, podemos demonstrar através da história que a Maçonaria foi, inevitavelmente, portadora de ideais do Iluminismo revolucionário onde a liberdade não existia. Sabemos com razoável certeza que as lojas francesas não praticavam política, mas sua filosofia fez com que muitos dos seus membros se tornassem participantes ativos na política de movimentos revolucionários. A maçonaria foi talvez oficialmente neutra, mas seus membros não eram. E, finalmente, podemos atestar que todos somos, indiretamente, beneficiários da Maçonaria e do Iluminismo: consideramos agora seus valores políticos em geral como tão normais que não damos valor. Secularismo, constitucionalismo e parlamentarismo são suas heranças, evitando a necessidade de ação revolucionária para atingirmos liberdade. Essa é, provavelmente, a conclusão mais importante que podemos tirar desse breve estudo.

Fontes:

di Bernardo, G. Freemasonry and its Image of Man: A Philosophical Investigation (Tunbridge Wells: Freestone, 1989).

Gould, R.F. A Concise History of Freemasonry (London 1903: reprint by Kessinger, 1998).

Habermas, J. The Structural Transformation of the Public Sphere (Boston: MIT, 1989).

Jacob, M.C. Living the Enlightenment: Freemasonry and Politics in Eighteenth-Century Europe (New York: Oxford University Press, 1991).

Jones, B.E. Freemasons’ Guide and Compendium (London: Harrap, 1973).

Locke, J. Two Treatises of Government (1690; this edition ed. Peter Laslett, Cambridge University Press, 1963).

Mackey, A. Encyclopedia of Freemasonry and its Kindred Sciences (Philadelphia: McClure, 1917).

Link do texto original (em inglês): http://www.freemasons-freemasonry.com/Davidson.html

O York Blog recomenda, como leitura adicional para melhor compreensão das nuances e diferenças dos iluminismos o livro “Os caminhos da modernidade – os iluminismos britânico, francês e americano“, da historiadora americana Gertrude Himmelfarb, publicado no Brasil pela Editora É Realizações.

washington

PEDIDO DE DOAÇÃO DE SANGUE E PLAQUETAS – SALVADOR/BA

Chamamos a atenção dos nossos leitores, em especial aos membros da família maçônica, para o pedido de doação de sangue e plaquetas em favor do Ir.’. Miled Haun, internado no Hospital Santa Izabel. Doadores podem se dirigir para o STS, situado na Rua do Limoeiro, no Bairro de Nazaré, em Salvador/BA. O Ir.’. Miled é Mestre Instalado da Loja Areópago Itabunense, do Oriente de Itabuna/BA. A ele desejamos pronto restabelecimento.

Maçonaria na Literatura: “O Homem que queria ser Rei”, de Rudyard Kipling

Este artigo, de minha autoria, foi publicado originalmente na Revista Ciência e Maçonaria, Vol 1. nº 2 (2013). Conheça e prestigie o trabalho desta importante revista maçônica brasileira. : http://www.cienciaemaconaria.com.br/index.php/cem

O Homem que queria ser Rei: Uma aventura Maçônica

Annex - Connery, Sean (Man Who Would Be King, The)_NRFPT_02

Resumo

O presente trabalho busca demonstrar a influência da filosofia e do simbolismo maçônico presentes no conto “O homem que queria ser Rei”, de Rudyard Kipling, ressaltando as lições maçônicas que se podem extrair daquela obra.

Introdução

A literatura, arte milenar, oferece ao autor múltiplas oportunidades de se fazer entender e ao leitor, múltiplas vias de entendimento. São exemplos dessas obras “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, “O Livro de Jó”, de William Blake, “Paraíso Perdido” de John Milton e a presente obra, o conto “O Homem que queria ser Rei”, de Rudyard Kipling.

Kipling é hoje considerado um dos maiores autores modernos da língua inglesa, ainda que seu legado seja hoje controverso, dada a associação de seu nome ao imperialismo britânico. Nasceu em Bombaim, na então colônia britânica da Índia, em 1865, filho de pai e mãe ingleses. Aos cinco anos, como era costume entre os colonos que possuíam condições para tal, foi enviado para a Inglaterra para viver sob a tutoria de um casal de amigos da família, a fim de receber uma educação propriamente britânica, um período que o marcou negativamente (JAFFA, 2011).

Demonstrando desde jovem talento para as letras, retornou para a Índia em 1882, aos 16 anos, para trabalhar como jornalista, publicando a partir deste período vários contos e poemas, conquistando com o passar dos anos uma sólida reputação, culminando com o Prêmio Nobel de Literatura de 1907.

De espírito cosmopolita, viajou por vários países do mundo, sempre registrando suas impressões sobre as culturas locais.

Sua carreira maçônica principiou com a sua iniciação na Loja Maçônica “Esperança & Perseverança” nº 782 em Lahore, no atual Paquistão, no mês de abril de 1885, pelo Ritual de Emulação. Kipling necessitou de uma autorização especial para ser iniciado, posto que contava na ocasião com 19 anos. Após um mês foi passado ao grau de Companheiro Maçom e, em dezembro daquele ano, foi elevado ao grau de Mestre Maçom (JAFFA, 2011).

Sobre este momento, escreveu Kipling:

Ali eu conheci muçulmanos, hindus, sikhs, membros do culto de Araya, Brahmos e um sentinela Judeu, que era sacerdote e açougueiro de sua pequena comunidade. Então um novo mundo se abriu diante de mim.”

Apesar de jovem e da rápida carreira pelos graus da maçonaria simbólica, neste período Kipling apresentou dois trabalhos em Loja, um sobre as origens do Grau de Aprendiz Maçom e outro sobre as visões populares acerca da maçonaria, nenhum dos quais chegou aos nossos dias (CARR, 1964).

Kipling foi avançado ao grau de Mestre da Marca na Loja de Marca “Fidelidade” n. 98 em 14 de abril de 1887, sendo elevado ao grau de Nauta da Arca Real na Loja “Monte Ararat”, ambas na cidade de Lahore, no mesmo dia. Não consta, todavia, que tenha sido maçom do Real Arco.

Em 1887, todavia, diante das necessidade profissionais da sua carreira de jornalista e seu sucesso ascendente como escritor forçaram-no a pedir o afastamento dos trabalhos da Loja, apesar de ter continuado a frequentar trabalhos maçônicos na cidade de Allahabad até 1889, quando se afastou definitivamente das Lojas indianas.

Kipling se destaca entre os maçons famosos pelo fato de a Arte Real ter deixado profundas impressões em seu espírito, e por consequência na sua obra, não sendo apenas uma nota de rodapé na sua biografia.

Referências à Maçonaria – veladas ou expressas – estão presentes em vários dos seus contos e poemas, como em “Kim” e um belo poema chamado “À minha Loja-mãe” (CARR, 1964) e em “Mowgli” (DILLINGHAM, 2005), além, é claro, de “O homem que queria ser Rei”, escrito ainda em 1888, objeto do presente estudo.

A Narrativa de “O homem que queria ser rei”

A história de “O homem que queria ser Rei” começa na Índia. Um jornalista, cujo nome não é declinado (provavelmente um alter ego do próprio Kipling) conhece por acaso um outro europeu num trem, e ambos se reconhecem como maçons. Seu nome é Peachey Carnegham. É um ex-soldado, veterano de guerra, que vive a vadiar pela Colônia.

Peachey lhe pede um favor, que por conta da fraternidade – e de uma dose de curiosidade – o jornalista assente em cumprir: ele deveria levar um recado cifrado a um terceiro sujeito num entroncamento ferroviário. Eles planejam – Peachey e seu amigo – fingir-se de jornalistas (do mesmo jornal do personagem inominado) para extorquir um Marajá que havia assassinado a viúva de seu pai (os Marajás têm medo da imprensa britânica).

Na data acertada o narrador se dirige ao entroncamento e dá o recado para Daniel Dravot, o amigo de Peachey.

Preocupado, entretanto, com a segurança dos dois, o narrador denuncia suas pretensões às autoridades britânicas, que os deportam antes que cheguem ao Marajá.

O tempo passa e o jornalista não ouve mais falar dos dois vagabundos do trem. Um dia, entretanto, ambos aparecem de surpresa no seu jornal. Se apresentam propriamente e pedem a ajuda do relutante jornalista. Eles explicam suas pretensões: Tendo decidido que não havia mais espaço para lucrar com a Índia, já tomada pela intervenção estatal da Coroa Britânica, os dois querem seguir rumo ao Kafiristão, um território nunca visitado por europeus (ao menos desde Alexandre, O Grande, 3.000 anos antes) e nem por muçulmanos, sem estado central, com uma população de tribos pagãs em estado permanente de guerra umas com as outras. Lá pretendem oferecer sua expertise militar a qualquer dos líderes tribais, montar um exército, ajudá-lo a conquistar o país, para então derrubá-lo em seguida, tornarem-se reis, saquearem o país e voltarem ricos para a Índia.

Para tanto firmam entre si um contrato. Possui três cláusulas, apenas. A primeira, de que ambos serão reis do Kafiristão; A segunda, de que não consumirão álcool ou se deitarão com mulheres até completarem a primeira cláusula; Terceiro, que se portarão com dignidade e discrição, cláusula que, alegavam, conferia regularidade ao instrumento.

O jornalista serve de testemunha do contrato, apesar de não levá-los a sério, deixando-os entretidos com mapas e enciclopédias. No dia seguinte, entretanto, ele os encontra no ponto de partida das caravanas, disfarçados de sacerdote e ajudante, entretendo os nativos. Ao encontrá-lo, eles lhe mostram a carga de contrabando: vinte fuzis Martini-Henry, os mais avançados da época, e bastante munição no lombo dos camelos, dissimulados sob quinquilharias.

O jornalista percebe então que eles estão falando sério apesar de todos os riscos. Deseja-lhes sorte, apesar de ter certeza de que morrerão.

Deles tem notícia dez dias depois por meio de uma mensagem escrita. Haviam cruzado, efetivamente, a fronteira entre a Índia e o Afeganistão. O tempo passa, sem notícias deles, até que três anos depois uma figura esfarrapada e alquebrada aparece no escritório do jornalista suplicando um trago de bebida. Era Peachey, contando que chegara do Kafiristão, onde de fato ele e Daniel foram reis.

Peachey passa a narrar a sua epopeia. Após separarem-se da caravana e seguirem sozinhos em direção ao Kafiristão, Peachey e Daniel enfrentam ladrões e as montanhas até se depararem com duas tribos em guerra. Após tomarem partido da mais fraca – e vencerem a refrega contra a mais forte graças aos fuzis – os dois caem nas suas graças.

O plano se desenvolve como esperado. Qual um dominó as tribos vão caindo, uma a uma, engrossando o exército dos trambiqueiros até que todas as tribos estivessem unificadas sob um comando.

É então que o inusitado acontece. Os dois descobrem que os líderes das tribos conhecem os sinais, toques e palavras dos dois primeiros graus da Maçonaria, e também têm suas marcas gravadas na pedra, apesar de não conhecerem os elementos do Grau de Mestre.

Eles decidem, então, abrir uma Loja. Ordenam a confecção de aventais no padrão e pintam quadrados brancos sobre o piso negro de uma sala, criando um pavimento mosaico.

Mais uma surpresa ocorre quando os heróis se preparam para abrir a Loja. Um dos sacerdotes, um velho que não tirava o olho dos dois, viu a marca distintiva do avental de Venerável Mestre vestido por Daniel e se exaltou, revelando no fundo da pedra que servia de trono de Salomão a mesma marca, convencendo-se, e a todos, que Peachey e Daniel eram deuses. Os dois são entronados como Reis e Daniel, ainda, como “Grão-Mestre da Maçonaria no Kafiristão”.

Eles começam, então, a governar salomonicamente o país, utilizando-se dos conhecimentos que possuem da Bíblia, ensinando os nativos a se organizar, a plantar, a estocar os grãos, a lançarem pontes de corda entre as montanhas, unindo o país.

Nesse ponto o plano dos dois começa a se desfazer. Daniel começa a gostar de ser rei do Kafiristão, e resolve se casar, violando o contrato. Peachey é contra, alegando que eles não podem desviar o foco naquele momento. Os dois se estranham.

Os nativos também são contra o casamento, pois não lhes parece próprio de um Deus desposar uma mortal, visto que ela com certeza morreria. Um dos líderes tribais mais fieis também adverte contra o casamento.

No momento em que Daniel tenta beijar a esposa ela, aterrorizada, o morde, fazendo com que sangre. À visto do sangue os sacerdotes e o público percebem que Daniel e Peachey são, afinal, mortais, e portanto, impostores.

Uma revolta dos nativos toma corpo, e Daniel e Peachey estão cercados e sozinhos, salvo por alguns poucos acólitos, lutando por suas vidas contra uma turba numericamente muito superior.

Percebendo a futilidade da resistência, Daniel se entrega para a turba, que o faz atravessar uma ponte de corda sobre o desfiladeiro, o que o faz com dignidade e altivez, após pedir perdão a Peachey. A ponte é cortada e Daniel mergulha para a morte. Peachey é crucificado, mas tendo sobrevivido, é libertado pelos nativos, conseguindo retornar à Índia após uma longa e exaustiva jornada.

O jornalista permanece incrédulo, até que Peachey lhe exibe a cabeça coroada de Daniel, última prova de que eles foram um dia reis do Kafiristão.

Peachey está desidratado e sofrendo de insolação, perdendo a sanidade. O jornalista o encaminha para um hospital. Ao visitá-lo, no dia seguinte, descobre que ele não sobrevivera, e que a cabeça coroada do Irmão Dravot desaparecera.

O conto se tornou filme na década de 70 do século passado, dirigido por John Huston e estrelado por Sean Connery e Michael Caine, que interpretam Danny e Peachey, respectivamente. O filme traz inovações em relação à narrativa do conto, mas sua condução magistral o eleva à condição de complemento do livro.

Uma Lição Maçônica

“O homem que queria ser Rei” narra a história de um fracasso. A chegada da figura estropiada de Peachey ao escritório do jornalista no começo da história já adverte ao leitor que ele não foi bem sucedido na sua pretensão de se tornar rei do Kafiristão.

A entronação de Daniel como Rei e Grão-Mestre da Maçonaria se revela um sucesso efêmero: Para ser Rei Daniel tem que se assumir primeiro como um deus, abdicando da sua humanidade. E de nada adianta ser um rei “verdadeiro” sem gozar dos prazeres que se esperavam de tal posto.

De início o papel de deus é relativamente fácil: eles se utilizam do conhecimento que têm da Bíblia e mimetizam o poder divino ao ditar semi-mandamentos e semi-profecias.

Kipling adere na história às correntes, populares desde as Constituições de James Anderson, que atribuíam à Maçonaria origens ancestrais, antediluvianas. No caso do conto, Alexandre, o Grande, rei da Macedônia que morreu em 323 a.C. teria sido o introdutor da Maçonaria no Kafiristão.

Neste contexto a Maçonaria aparece como o elemento que liga e une os desconhecidos: o jornalista aos pilantras e depois eles ao povo do Kafiristão. Eles só conhecem os dois primeiros graus, mas não o terceiro. Aparentemente também conhecem o grau de Mestre da Marca, ou algo parecido com ele, pois Danny nota que eles têm suas marcas gravadas na pedra.

Apesar de não falarem a mesma língua os aventureiros e os nativos se entendem na Loja ad hoc montada. A concessão do terceiro grau vira um sinal inequívoco de autoridade, pois todos os chefes de tribo desejam tê-lo. Para não “banalizar” o grau Danny e Peachey conferem-no somente aos líderes mais fieis – entre eles um, apelidado Billy Fish, que dá uma prova final de fidelidade quando a farsa cai.

Mas a incapacidade de Danny de frear suas paixões e controlar seus instintos põe tudo a perder. Sendo um deus ele não poderia desposar uma mortal. Na interpretação de Peachey tal comportaria, ainda, uma violação do contrato firmado entre eles, ao que Danny dá a entender já estar superado.

Disse Danny:

“Eu não vou fazer uma nação” ele dizia “vou construir um Império! Estes homens não são negros, são ingleses! Veja os seus olhos, veja as bocas. Veja o seu jeito de ficar em pé. Sentam em cadeiras dentro das próprias casas. São as Tribos Perdidas, ou qualquer coisa parecida, e nasceram para ser ingleses(…) Vamos ser imperadores, Imperadores da Terra! O Rajá Brooke vai parecer criança perto de nós. Vou falar com o Vice-Rei de igual para igual. (…) vou escrever pedindo uma Dispensa para a Grande Loja pelo que fiz como Grão Mestre (…) Quando tudo estiver no ponto eu entrego a coroa, esta coroa que estou usando agora, de joelhos para a Rainha Vitória e ela vai dizer: levantai-vos Sir Daniel Dravot! Ah, é máximo! É o máximo, estou lhe dizendo!” (KIPLING, 2010, p. 40-41)

Só que o inverno se aproxima e Daniel deseja uma esposa. Peachey o adverte: eles estariam violando o contrato. Há muito o que se fazer e não é próprio de um Rei desperdiçar energia com as mulheres. Danny lhe responde:

Quem está falando de mulheres? Eu falei esposa: uma Rainha que dê um Filho ao Rei. Uma Rainha saída da tribo mais forte, que fará de você irmão de sangue deles e que ficará do seu lado dizendo o que o povo acha de você e dos problemas lá deles. É isso o que eu quero.” (Idem, p. 43)

Mas o Conselho não gosta da ideia. Danny fica furioso, nas palavras de Peachey:

“O Dravot xingou eles todos: “Que há de errado comigo? Sou um cachorro ou não sou homem o bastante para estas fulanas? Não botei minha mão sobre este país? Quem deteve o último ataque afegão? ‘Na verdade fui eu, mas o Dravot estava bravo demais para se lembrar. „Quem trouxe as armas para vocês? Quem consertou as pontes? Quem é o Grão-Mestre do sinal gravado na pedra?‟, falou, e bateu a mão no bloco que usava para sentar na Loja e no conselho, já que sempre iniciava os trabalhos feito uma Loja.

Danny não compreende a razão da rejeição e Peachey pergunta a Billy Fish, que o responde francamente e o alerta para a natureza do problema:

“Como um homem pode dizer isso a você, que sabe de tudo? Como as filhas de homens podem se casar com Deuses ou Demônios? Não combina.‟ 

“Um deus pode fazer qualquer coisa‟, falei. “Se o rei gostar de uma garota, ele não vai deixar ela morrer.’. ‘Ela tem que morrer‟, disse o Billy Fish. “Nessas montanhas tem todo tipo de deuses e demônios, e de vez em quando uma moça se casa com um e desaparece para sempre. Além do mais, vocês dois conhecem a Marca gravada na pedra. Só os Deuses sabem disso. Achamos que eram homens até que mostraram a Marca do Mestre.”

A estrutura da realidade oferece um limite para a ação. A onipotência, propriedade divina, não é o poder de fazer qualquer coisa, mas o de fazer qualquer coisa que seja possível de fazer.

A filosofia maçônica utiliza a alegoria do desbaste da pedra bruta para explicar aos aprendizes o processo de aperfeiçoamento do homem. Através do trabalho a pedra bruta vai sendo burilada e desbastada, até se tornar uma pedra polida pronta para ser utilizada na construção do Templo Universal.

Há correntes na Maçonaria que passam da ideia de perfectibilização do homem para a ideia da perfectibilidade da natureza humana. A perfectibilização é uma possibilidade que se traduz precisamente no reconhecimento das imperfeições naturais do gênero humano e sua atenuação pela civilização. A perfectibilidade, por outro lado, é intangível, pois implicaria na divinização do homem. O homem deve se mirar na perfeição buscando emulá-la, mas ter em conta de que não conseguirá atingi-la, dando-se por satisfeito em ficar o mais perto possível dela.

Dravot, embriagado pelo delírio de onipotência trazido pelo cargo esqueceu-se de respeitar a estrutura da realidade. Sua jovem noiva, horrorizada com a ideia de ser fulminada pelo Deus, acabou arranhando-o. À vista do sangue todos perceberam que eles não eram, afinal, deuses.

A população se revolta. Os soldados fieis da Danny e Peachey são quase todos mortos, até que sobram apenas Billy Fish e mais uns poucos. Nesta hora Dravot dá-se conta do seu erro e se redime com Billy Fish e com Peachey:

‟Foi minha maldita loucura que trouxe você até aqui. Volte, Billy Fish, e leve seus homens. Você já fez o que pôde, agora chega. Carneham, aperte a minha mão e vá embora com o Billy. Talvez não matem vocês. Vou encontrá-los sozinho. Fui eu quem fez isso. Eu, o Rei!‟

“Vai‟, falei, “vai para o inferno, Dan! Eu estou aqui com você. Billy Fish, você some, e nós dois vamos enfrentar esse povo‟.

“Eu sou um Chefe‟, disse Billy Fish calmo. “Fico com vocês. Meus homens podem ir.”

Este é o momento da elevação de Danny à nobreza verdadeira, a de caráter. Ele encara a morte de frente, não sem antes pedir perdão ao amigo e irmão, e ser por ele perdoado, antes de ser jogado despenhadeiro abaixo.

Billy Fish é degolado. Peachey é crucificado, mas sobrevive. Já delirando e falando de si na terceira pessoa, Peachey diz:

Foram cruéis ao ponto de lhe darem comida no templo, porque disseram que ele era mais Deus que o velho Daniel, que era homem. Viraram ele para o lado da neve e lhe disseram que fosse para casa, e o Peachey levou bem um ano para chegar em casa, mendigando nas estradas, mas em segurança, porque o Daniel Dravot, ele andava na frente e dizia “Vamos embora, Peachey. Temos muito o que fazer‟. As montanhas dançavam de noite e queriam cair na cabeça do Peachey, mas o Dan levantou a mão e o Peachey passou por baixo. Ele sempre guardou a mão e a cabeça do Peachey. Eles lhe deram de presente no templo para ele se lembrar e nunca mais voltar, e apesar de a coroa ser de ouro puro, e do Peachey estar morrendo de fome, nunca a vendeu. O senhor conheceu o Dravot! O senhor conheceu o Valoroso Irmão Dravot! Olhe para ele agora!

Peachey exibe a cabeça “seca, esbranquiçada” de Dravot, coroada, como prova da fantástica narrativa. Após, o narrador o coloca numa charrete e o leva para atendimento médico, onde Peachey, ex rei do Kafiristão, morre.

A morte e a “ressurreição”, tal como apresentadas na história, oferecem um paralelismo bastante claro tanto à narrativa cristã como à narrativa da lenda do terceiro grau.

Conclusão

É interessante a conclusão dos nativos sobre Peachey, a de que ele seria “mais Deus do que o velho Daniel”. A jornada de Peachey e Daniel é efetivamente uma jornada heroica, ainda que tenha redundado no mais absoluto fracasso.

A diferença que se pode observar entre Daniel e Peachey é a de que Peachey logrou vencer suas paixões e subjugar suas vontades, ao passo que Daniel deixou-se seduzir pelo poder ilusório que detinha (já que ele sabia – ou devia saber – que não era, concretamente, um deus), e por esta razão acabou abdicando da autoridade moral que tinha, causando a própria ruína.

O contrato firmado entre Peachey e Danny é uma exemplificação, bastante sucinta e resumida, das old charges maçônicas. Serve de guia para os dois, e enquanto eles nele se mantiveram, o plano deu certo.

A jornada dos dois, desta forma, bem pode corresponder à jornada iniciática maçônica, tendo os heróis vencido as dificuldades interpostas, experimentando o gosto da glória e da honra e, ao final, por conta da ignorância dos próprios limites, contemplado a morte e a “ressurreição”, ensinando-nos a lição de que ninguém pode ser mestre antes de ser mestre de si.

 

Referências
CARR, Harry. Kipling and the Craft. Ars Quatuor Coronati, v. 77. Londres, 1964.
DILLINGHAM, William. Rudyard Kipling: Hell and heroism. Londres: Palgrave Macmillan, 2005.
Fussel Jr, Paul. Irony, Freemasonry, and Humane Ethics in Kipling’s “The Man Who Would be King”. ELH, Vol. 25, No. 3. 1958.
JAFFA, Richard. Man and Mason – Rudyard Kipling. Londres: Author HouseUK, 2011.
KIPLING, Rudyard. O homem que queria ser rei e outras histórias. São Paulo: Abril, 2010

Diálogos de um velho Cobridor – I:4

Diálogos de um velho Cobridor

Por Carl Claudy (1879-1957)

Tradução: Edgard da Costa Freitas Neto, M∴ M

Os “Diálogos de um velho Cobridor” são uma série de pequenas peças escritas pelo Ir∴ Carl Claudy no ano de 1924 que retratam, através do diálogo fictício entre um maçom com pouco tempo de iniciado e um maçom mais antigo e experiente, a visão de Claudy sobre a filosofia maçônica. São 70, no total, divididas em 7 capítulos. As questões tratadas nos diálogos são atualíssimas, mesmo tendo sido escritas há quase cem anos atrás. O YORK BLOG disponibilizará a tradução de dois diálogos por semana para os seus leitores, às terças e quintas.

Capítulo I – Shekinah

4. O Capelão

Fui constrangido na Loja, esta noite!”, disse o novato para o velho Cobridor. “Não acho que o Mestre da Loja deveria me deixar dessa maneira!”

Isso é mau”, respondeu o velho Cobridor, subitamente simpático. “Ele te chamou a atenção por alguma razão?”

Oh, não. É que o Capelão faltara, e o Mestre me pediu para substituí-lo.”.

E por que isso deveria tê-lo constrangido?“, perguntou o velho Cobridor, ainda simpático.

Fiquei terrivelmente constrangido em dizer que não poderia.”

Ah, você se recusou?

Claro que sim! Meu embaraço já era grande o suficiente como estava, e ainda ter que ir para defronte ao altar para oferecer uma prece? Cara, não conseguiria fazê-lo!

Fico surpreso!“, respondeu o velho Cobridor. “Mas vamos em frente. Quem atuou como Capelão?

O Mestre pediu então para o palestrante da noite, algum irmão que eu nunca vira antes. Ele ofereceu uma bela oração, também. Eu o ouvi dizer ao Mestre que ele não sabia de cor a oração do Ritual, mas o Mestre disse que isso não importava, o que eu achei esquisito.“.

E você se lembra como foi a oração?” perguntou o Cobridor.

Muito bem, penso eu“, respondeu o maçom novato. “Não era muito comprida. Ele foi ao altar, se ajoelhou e então disse: ‘Todo-Poderoso Arquiteto do Universo, nós, como mestres maçons, de pé nesta Loja erigida à Vossa glória, humildemente rogo para desça Teu olhar para esta assembleia de Vossos filhos. Abri nossos corações para que as verdades eternas da Maçonaria possam penetrá-los, com o fim de que possamos fazer de nós pedras polidas aptas a tomar parte de Vossa visão para o grande Templo eterno em Vossos céus. Assim o pedimos, em nome do Olho-que-tudo-vê. Amém’“.

Uma bela oração“, respondeu o Cobridor.

Mas não era a do Ritual!“, objetou o novato.

De fato, mas ele também não era o Capelão originalmente designado…“, retorquiu o velho Cobridor. “E qual a diferença que faz, para Deus, se oramos desta ou daquela maneira em cada abertura da Loja?  Deve ser a sinceridade por trás da oração que conta, na opinião d´Ele, não as palavras exatas.  Mas ao se recusar a atuar como capelão parece que você se pôs numa má posição, hein? Você se barbeia, certo?

Por que? Err, quer dizer, sim! Mas o que tem isso a ver com a questão?

Amanhã de manhã, ao se barbear, você vai se olhar no espelho e vai dizer ‘Bom dia, covarde!’ e não vai ser legal, vai?

Você pensa que eu fui um covarde?” perguntou, melancolicamente, o novato.

Medrosão!“, sorriu o velho Cobridor. “Tão prepotente, tão cheio da ideia de todos os irmãos o admirarem que não poderia se perdoar, ou suportar a ideia, de eles diminuírem sua admiração. Claro que é covardia. Você se esquivou do dever por empáfia!

Cobridor, você usa palavras duras! Não foi prepotência. Foi modéstia. Não me vi como capaz…

Não tente se enganar! Você me disse que estava constrangido. Por que um homem se constrangiria em público? Porque ele tem medo de que se não fizer certo, se não fizer uma boa apresentação, se não for bem sucedido, vai ser ridicularizado. Então você recusou a deferência que o Mestre lhe prestou e recusou aos seus irmãos o belo serviço de ser seu porta-voz

Mas eu nunca fiz uma oração em público!

Nem você nem nenhum outro homem jamais fez uma oração em público antes da sua primeira oração em público!”, sorriu o Cobridor. “Mas me diga, por que um homem se sentiria constrangido perante Deus? Nós não somos ensinados que Ele tudo sabe? Se nada podemos d’Ele esconder, Ele tudo sabe sobre ti.  Um homem pode sentir vergonha de si, pode se arrepender de quem é e de quem tem sido, mas constrangido, numa oração? Se sentir constrangido perante seus irmãos, isso é empáfia. Qualquer homem é páreo para um exército se ele tem Deus do seu lado. O homem que fala com Deus não tem nenhuma razão para temer outros homens. Se os homens riem, vergonha para eles. Em todos os meus muitos anos na Maçonaria nunca vi ninguém nem mesmo sorrir ou dizer uma palavra para ridicularizar qualquer um que tenha feito uma oração franca e sincera ao Grande Arquiteto do Universo. Nunca vi ninguém rir quando o capelão, titular ou substituto, faz sua oração a Deus. Não importa se a oração é a que está no ritual ou se saiu direto do coração, tenho certeza de que Deus a captou.  Sobre invocar o nome “Olho-que-tudo-vê”, que importa? É um bom termo, santificado pelos corações de gerações de homens e maçons.

Pela sua própria paz de espírito, diga ao seu Mestre que você cometeu um erro e que está arrependido, e que se ele lhe der a honra de uma oportunidade para orar para si e para seus irmãos, na ausência do Capelão, você dará o melhor de si. E quando você se ajoelhar perante o altar você irá esquecer, como qualquer outro Capelão, que a ninguém interessa a oração, senão Àquele para quem ela é endereçada!

Irmão Cobridor, vou tentar fazer isso!“, afirmou, convicto, o novato.

“Humpf!“, grunhiu o velho Cobridor.

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora